Credibilidade dos Rankings Universitários em Xeque
Mesmo com dividas milionárias e problemas de infraestrutura a UFRJ cresce no Ranking 2024
Nos últimos anos, a credibilidade dos rankings universitários (THE World University Rankings & QS World University Rankings) tem sido cada vez mais questionada. Estudos apontam que esses rankings muitas vezes se baseiam em dados fornecidos pelas próprias instituições de ensino, sem qualquer tipo de inspeção independente ou verificação externa. Isso levanta dúvidas sobre a legitimidade e a precisão dessas avaliações, que podem ignorar questões fundamentais como infraestrutura, suporte ao ensino e a situação financeira das universidades.
Um exemplo recente envolve a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Embora a universidade tenha sido classificada como a quinta melhor da América Latina e Caribe pelo QS World University Ranking, assim como pelo THE World University Rankings, conforme divulgado pela própria instituição em seu website oficial, uma análise mais aprofundada revela um cenário preocupante. Reportagem da CNN Brasil noticiou que a UFRJ enfrenta problemas financeiros significativos, incluindo uma dívida de R$ 31,8 milhões com a concessionária de energia Light, o que resultou na suspensão temporária do fornecimento de eletricidade em algumas de suas instalações. A situação ressalta uma discrepância evidente entre o que é divulgado pelos rankings e a realidade vivenciada no campus.
A crítica central reside na falta de transparência e de critérios claros que considerem aspectos estruturais fundamentais das universidades. É notável que, para se posicionar bem nesses rankings, muitas vezes as universidades investem somas consideráveis, mas não necessariamente na melhoria de suas instalações ou na qualidade de vida acadêmica. Durante uma investigação recente sobre o funcionamento desses sistemas, foi identificado que uma avaliação preliminar (auditoria) em um desses rankings poderia custar cerca de R$ 100.000,00. Isso evidencia que a presença nos rankings pode se tornar uma questão de marketing e visibilidade, e não uma verdadeira representação da qualidade acadêmica e estrutural.
O THE World University Rankings (ou Times Higher Education World University Rankings) é uma das principais classificações globais de universidades, publicada anualmente pela Times Higher Education (THE), uma organização britânica especializada em educação superior. Esse ranking avalia e classifica as melhores universidades do mundo com base em uma série de critérios, oferecendo uma visão abrangente da qualidade do ensino, pesquisa, impacto e reputação acadêmica.
Os critérios utilizados pelo ranking são: Ensino (ambiente de aprendizagem); Ambiente de pesquisa (volume, renda e reputação); Qualidade da pesquisa (impacto de citação, força da pesquisa, excelência em pesquisa e influência da pesquisa); Perspectiva internacional (equipe, alunos e pesquisa); e Indústria (renda e patentes).
O mais impressionante é que a análise e gestão dos rankings universitários globais parece estar fortemente centralizada no Reino Unido, já que tanto o THE World University Rankings quanto o QS World University Rankings são elaborados por organizações britânicas, ambas usam citações de pesquisas de bases como a Elsevier Scopus. Essa concentração sugere uma influência significativa do Reino Unido na forma como a qualidade das universidades é medida e valorizada internacionalmente. Embora esses rankings sejam amplamente respeitados e utilizados como referência, a centralização geográfica de sua gestão pode levantar questões sobre possíveis vieses culturais e metodológicos, refletindo a visão e as prioridades do sistema educacional britânico na avaliação das instituições de ensino superior em todo o mundo.
No entanto, é surpreendente que uma instituição possa alcançar uma posição elevada no QS World University Ranking e no THE World University Rankings enquanto enfrenta sérios desafios de gestão, como grandes dívidas e infraestrutura precária. Esse não é um problema exclusivo da UFRJ, que é amplamente reconhecida pela excelência acadêmica e pela formação de profissionais de qualidade, mas evidencia uma falha no sistema de avaliação do QS e THE. O foco do ranking em critérios que podem ser facilmente manipulados levanta preocupações sobre a real precisão dessas classificações.
A reportagem de Victor Locateli, publicada pela CNN Brasil em 12 de novembro de 2024, destaca algumas dessas inconsistências. Na matéria, é informado que a UFRJ, apesar de figurar entre as melhores universidades da América Latina, enfrenta uma crise financeira significativa, com uma dívida de R$ 31,8 milhões junto à concessionária de energia elétrica Light. O acúmulo dessa dívida resultou na suspensão temporária de energia em parte do campus. Além disso, há relatos de que a infraestrutura da universidade está deteriorada, o que contrasta com a recente ascensão da UFRJ em rankings internacionais.
Esse cenário gerou questionamentos importantes. O professor Anderson Correia, ex-presidente da CAPES e atual presidente do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), além de ex-reitor do ITA, compartilhou suas reflexões sobre a matéria da CNN em sua rede profissional no LinkedIn. Ele expressou surpresa ao constatar que, enquanto a UFRJ era celebrada como a terceira melhor universidade da América Latina, também enfrentava problemas sérios de infraestrutura e inadimplência. Em suas palavras:
“Vejo uma matéria dessas e fico um pouco confuso. Ontem mesmo a UFRJ foi classificada como terceira melhor universidade da América Latina, e hoje sai essa matéria dizendo que teve sua energia elétrica cortada por inadimplência e que tem uma dívida de R$ 31,8 milhões com a Light. Vi também uma matéria recente dizendo que a infraestrutura da universidade estava bem condenada. O mais curioso é que, segundo o ranking do THE, a universidade subiu 8 posições em relação ao ano passado. Será que os rankings estão refletindo bem a realidade das universidades? A qualidade da infraestrutura não deveria ser considerada?”
As palavras de Anderson Correia ecoam uma preocupação crescente entre acadêmicos e a sociedade em geral. Até que ponto os rankings refletem a verdadeira realidade das universidades? Será que as classificações estão sendo influenciadas por um “sentimento de pertencimento” ou por um viés que favorece determinadas instituições? Há dúvidas sobre a imparcialidade da avaliação feita pelo QS, especialmente no que diz respeito à consulta a empregadores, sociedade civil e ex-alunos.
A credibilidade do QS World University Ranking e do THE World University Rankings, portanto, está sob escrutínio. Se a infraestrutura, a gestão financeira e as condições de ensino não são criteriosamente avaliadas, há um risco de que o ranking apresente uma imagem distorcida da qualidade das instituições de ensino superior. A comunidade acadêmica e a sociedade têm agora a responsabilidade de decidir se continuarão a confiar neste sistema de classificação ou se buscarão novas formas de avaliar a educação superior, que levem em conta a realidade completa das universidades, e não apenas dados que podem ser facilmente manipulados ou interpretados de forma conveniente.
Críticas ao THE e QS
Apesar de ser um dos rankings mais respeitados, ele não está isento de críticas:
- Peso elevado em pesquisas: Muitas universidades com forte enfoque em ensino podem ser subvalorizadas.
- Dependência de reputação: Uma parte significativa da avaliação é baseada na percepção e opinião, o que pode introduzir subjetividade.
- Critérios econômicos: Fatores como receitas da indústria podem beneficiar universidades mais ricas e com mais recursos.
Assim como o THE o QS World University Rankings enfrenta críticas por sua metodologia, que é considerada excessivamente dependente de critérios subjetivos, como a reputação acadêmica e a reputação no mercado de trabalho, que juntas representam 50% da pontuação. Isso favorece universidades de maior prestígio, independentemente da qualidade objetiva. Há também críticas ao foco limitado na pesquisa acadêmica, já que apenas o indicador de citações por professor é utilizado, o que pode não refletir com precisão a influência acadêmica.
Além disso, os critérios de internacionalização e a relação professor-aluno são vistos como métricas que podem ser manipuladas, e o ranking tende a favorecer instituições maiores e mais ricas, que têm mais recursos para atrair talentos internacionais e aumentar sua produção acadêmica. A falta de transparência em alguns aspectos metodológicos também é motivo de preocupação, assim como a menor ênfase na avaliação direta da qualidade do ensino.
O contraste entre a ascensão da UFRJ no ranking do THE e QS e as dificuldades que enfrenta na manutenção de sua infraestrutura demonstra como esses rankings podem falhar em apresentar um retrato fiel das instituições. Problemas estruturais, dívidas acumuladas e a falta de suporte adequado para estudantes e professores são fatores que deveriam pesar mais nas avaliações, mas, aparentemente, acabam sendo ignorados ou minimizados.
A ausência de inspeções internacionais ou avaliações presenciais de qualidade nas universidades brasileiras, incluindo a UFRJ, enfraquece a confiança no sistema de rankings e reforça a necessidade de um olhar mais crítico sobre essas classificações. Para que essas avaliações recuperem credibilidade, é fundamental que os critérios sejam revistos, incluindo uma análise criteriosa da infraestrutura e da sustentabilidade financeira, e que sejam realizados processos de inspeção e verificação independentes.
A comunidade acadêmica e a sociedade merecem informações confiáveis e uma avaliação justa da qualidade das instituições de ensino superior. A posição em rankings não deveria ser mais importante do que o compromisso real com a excelência acadêmica e o suporte à educação de qualidade.
É inegável que a UFRJ possui inúmeras qualidades, especialmente no que diz respeito ao seu capital intelectual. A universidade é reconhecida pela excelência acadêmica, pela produção científica de alto nível e pela formação de profissionais competentes em diversas áreas. O atual resultado no THE e QS, que posiciona a UFRJ entre as melhores universidades da América Latina, é uma prova de que a qualidade do corpo docente, a produção de conhecimento e a reputação acadêmica podem superar limitações físicas. No entanto, vale destacar que o ranking não avaliou um centímetro sequer da estrutura física do campus, concentrando-se exclusivamente em aspectos acadêmicos e indicadores quantitativos que, embora importantes, não refletem a realidade completa enfrentada pela comunidade universitária no dia a dia. Isso revela que, apesar dos problemas de infraestrutura, a UFRJ continua sendo uma potência intelectual, mas também levanta a questão sobre a necessidade de avaliações que considerem a qualidade das condições de ensino oferecidas aos estudantes e pesquisadores.
Foto: Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) • Divulgação/UFRJ
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